segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ao considerar Sarney ‘incomum’, Lula ecoa mentalidade colonial


COM O REI NA BARRIGA

POR THAÍS OYAMA
Da Veja

Ao sancionar a desigualdade perante a lei com uma frase (“O Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”), o presidente Lula, além de ferir o princípio constitucional previsto no artigo 5º, fez o Brasil recuar quatro séculos: ressuscitou a idéia de que é legítima a existência de uma classe merecedora de privilégios, passou a mensagem de que aos políticos cabe apenas beneficiar-se do poder e reabilitou o velho sistema de compadrio segundo o qual mãos poderosas devem lavar-se umas às outras. “É inconcebível o mais alto magistrado da República negar o componente mais básico do modelo republicano, que é a igualdade entre os cidadãos”, afirma a professora de filosofia Maria Sylvia de Carvalho Franco.

A divisão entre uma classe superior de cidadãos e outra inferior está no núcleo da formação da sociedade brasileira e, a despeito de todos os avanços, ainda representa um quisto obscurantista nas regiões mais atrasadas do país – como o Maranhão de Sarney, como a Brasília dos políticos.

Antes mesmo de dom João VI aportar no país, trazendo em seus baús o modelo do estado absolutista, o sistema de capitanias hereditárias já previa a diferenciação entre os cidadãos “comuns”, que não tinham riquezas, e os cidadãos “incomuns”, aqueles que haviam recebido terras do rei – os chamados “homens bons”. Ao dizer que Sarney não pode ser tratado como uma pessoa comum, Lula ecoou, portanto, uma mentalidade colonial.

O tirocínio político do presidente não dá margem para que se pense que seu discurso infeliz foi desprovido de cálculo. “Lula deve muitos favores a Sarney”, lembra o cientista político David Fleischer. O PMDB apoiou o governo em momentos cruciais, como no escândalo do mensalão e no episódio dos aloprados. Lula, por motivos simétricos, agora estende o braço na direção de um de seus caciques mais poderosos – ainda que para isso tenha de arrastar o Brasil para as trevas do passado.

“No estado democrático moderno brasileiro, a elite política já não coincide necessariamente com a elite econômica – e o presidente Lula é o exemplo mais evidente disso. Mas o ideário dos políticos como homens distintos e merecedores de privilégios, que caracterizava a elite econômica no passado, continua arraigado na mentalidade da categoria.”
Demétrio Magnoli, sociólogo

“Com essa declaração, Lula mostra que não sabe mesmo o que significa ser presidente da República. Por definição, todo cidadão de uma República democrática é um ser comum, independentemente de ser senador. Mas, no fundo, o que o presidente quer sinalizar com essa frase é que há indivíduos que, como ele, estão acima da lei e da República.”
Roberto Romano, filósofo

“Ao dizer que Sarney está sendo vítima de um processo de denúncias que ‘nunca dá em nada’, o presidente evoca certo ceticismo popular em relação à política e o utiliza como contra-ataque a uma ação concreta de investigação. Ele se vale de um argumento que encontra eco na população. Lula conhece muito bem a alma popular.”
Bolívar Lamounier, cientista político
Fonte do Jornal Pequeno!

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